O Estado de São Paulo - Link, 29/09/2008 - Rodrigo Martins
29/09/2008
Tecnologia também é política
Sinal dos tempos. Pela primeira vez em uma eleição para a Prefeitura de São Paulo, a tecnologia teve um papel protagonista nos programas eleitorais dos principais candidatos.
Líder nas pesquisas, Marta Suplicy (PT) prometeu conectar toda a cidade à internet sem fio. Foi a deixa para os demais candidatos bombardearem o eleitor com propostas hi-tech.
Para consolidar as diversas propostas, o
Link convidou os seis principais candidatos a prefeito a apresentar suas idéias de governo eletrônico. E entrevistou especialistas para mostrar qual é a situação atual de São Paulo e outras prefeituras e quais são as prioridades.
Se você gosta de tecnologia, agora tem mais um elemento para decidir em quem votar.
Candidatos prometem de acessibilidade a matrículaComo a tecnologia pode aproximar cidadão e Prefeitura? É possível, em uma metrópole como São Paulo, a internet ou mesmo o celular permitir às pessoas fugir de filas, ter resposta rápida para suas questões do dia-a-dia ou até participar ativamente do governo? O que deve mudar na Prefeitura para isso?
O Link entrevistou os seis principais candidatos a prefeito. Se o conjunto de propostas de todos fosse implementado, você, cidadão, marcaria consultas médicas e faria a matrícula de seu filho na escola pela web; teria um portal da Prefeitura fácil de usar, adaptado a deficientes e com todos os gastos públicos divulgados de forma transparente; abriria uma empresa e resolveria suas dívidas com o município a distância; e teria acesso à web sem fio em qualquer lugar da cidade.
Marta Suplicy (PT) promete informatizar e integrar todos os órgãos municipais. Uma das prioridades é criar um banco de dados com prontuários de todos os pacientes da rede de saúde. “A universalização do cartão SUS, contendo o histórico de cada paciente, permitirá que ele marque consultas pela internet e possa ser atendido em qualquer local da rede”, diz.
Outra prioridade, diz, é informatizar a fiscalização, o que “acabará com o talonário de multas, que pode dar margem a atos de corrupção”. Promete ainda melhorar a usabilidade do site da Prefeitura e ampliar a quantidade de serviços. “Um projeto de governança eletrônica deve estar atento à questão da transparência na gestão pública e preocupado em oferecer ferramentas que facilitem a participação popular e o acesso às novas tecnologias”, diz.
Geraldo Alckmin (PSDB) promete “transformar em meio eletrônico tudo aquilo que puder ser feito pela internet”. Diz que irá simplificar e revisar processos, serviços e negócios da Prefeitura e “automatizar o que for necessário”. Instalará o “padrão Poupatempo” para serviços aos cidadãos nas subprefeituras, onde será possível “realizar integralmente todos os serviços municipais”.
“O uso intensivo de tecnologia deverá ser aplicado em toda a administração, mas com cinco prioridades: abertura e fechamento de empresas, toda a área tributária, telemedicina, fiscalização e educação”, diz. Alckmin promete matrícula escolar e boletim pela internet, além de agendamento de consultas médicas por web e celular.
O atual prefeito e candidato à reeleição Gilberto Kassab (DEM) centra suas propostas em saúde, educação, acessibilidade e finanças. Na última, promete simplificar e ampliar o número de serviços online para as “obrigações tributárias do contribuinte”. Promete também ampliar os serviços no canal de atendimento online ao cidadão, o SAC, além de reformular o portal da Prefeitura e torná-lo acessível a deficientes.
Na educação e na saúde, Kassab aposta em portais na área. Ainda na saúde, promete a portabilidade do histórico dos pacientes por meio do cartão SUS. “O objetivo é que cada vez mais processos estejam disponíveis eletronicamente, os tempos de tramitação sejam reduzidos e os processos padronizados e transparentes.”
Paulo Maluf (PP) promete “fazer um levantamento de como está a situação e investir pesado para informatizar e interligar toda a Prefeitura”. “Como prioridade, pretendo informatizar totalmente as escolas, o acesso aos meios oficiais de lazer, diversão e saúde”, diz. Também promete utilizar tecnologia para desburocratizar os procedimentos municipais, mas diz que esses projetos ainda estão sendo elaborados por sua equipe. “Acho isso (a informatização) muito importante, pois com isso ganham a cidade e seus moradores e, mais importante, combate-se a corrupção.”
Vereadora e candidata à Prefeitura, Soninha Francine (PPS) planeja implementar totens com PCs em toda a cidade para o acesso a serviços da Prefeitura e informações turísticas. “O Bilhete Único do ônibus será usado nos totens para o cidadão ser identificado e fazer transações.”
Soninha promete também simplificar o portal da Prefeitura; permitir consultas aos itinerários de ônibus pelo celular; instituir a matrícula online nas escolas e simplificar o processo de abertura de empresas e de agendamento na rede de saúde. “Hoje a pessoa não consegue ir ao posto e saber, na hora, quando será marcada a sua consulta. Quero resolver isso e, depois, permitir o agendamento de consultas pela web.”
Já Ivan Valente (PSOL) defende que, antes de pensar em serviços eletrônicos, é preciso universalizar a web (veja na pág. L9). “Se tivéssemos o serviço de agendamento de consultas, por exemplo, quem já acessa a internet será beneficiado. E o mais pobre – que não acessa – terá de chegar às 5 da manhã no posto. Isso não é democratizar.”
Valente defende, num primeiro momento, que a Prefeitura aposte na internet para prestar contas e fazer pregão eletrônico. “Daria uma transparência ao serviço que hoje está ligado a decisões políticas.”
Transparência é compromisso
Eleitor, atenção: não esqueça de cobrar transparência do próximo prefeito de São Paulo. Todos os candidatos se comprometem a disponibilizar, na web, como o dinheiro público é gasto.
A ex-prefeita Marta Suplicy (PT) promete publicar as informações de forma clara. “Os dados devem ser disponibilizados de forma que a população entenda, possa acompanhar, fiscalizar e cobrar providências.”
Geraldo Alckmin (PSDB) promete publicar na internet todos os projetos, com suas formas de realização, custos e resultados. E de forma clara. “Poucos conhecem a linguagem orçamentária e financeira usada pela administração pública.”
O prefeito Gilberto Kassab (DEM), por sua vez, planeja inaugurar um portal de saúde com informações sobre infra-estrutura e produção da área. “Estudaremos a expansão dos portais de transparência para outras secretarias.”
Paulo Maluf (PP) diz que ainda estuda projetos. “A idéia básica é que todos os órgãos da administração sejam passíveis de fiscalização através da internet.”
Soninha Francine (PPS) também defende dados mais claros e completos. “Os gastos da Prefeitura estão online, mas são difíceis de entender. Mas há contratos e metas da Prefeitura que não estão hoje.”
Para Ivan Valente (PSOL), a transparência é prioridade. “Se eleito, vou publicar todas as informações da Prefeitura. É um direito do cidadão para que faça o controle social da administração.”
De graça ou pago, todos planejam conectar a cidade
Conexão à internet se tornou “a” estrela desta campanha municipal em São Paulo. No que depender das propostas dos candidatos – e se elas realmente forem cumpridas depois das eleições – será possível, pelo menos, navegar de graça pelo notebook no Parque do Ibirapuera. Todos os seis principais prefeituráveis têm projetos para a área, seja pago ou gratuito e com fio ou sem fio.
A proposta de maior repercussão (e que gerou mais polêmicas) foi a de Marta Suplicy (PT). Ela promete levar internet Wi-Fi para todos os cantos da cidade, da mesma forma como hoje é feito em pequenas cidades brasileiras, como Sud Menucci, no interior do Estado, ou Piraí, no Rio.
“Devemos olhar para o futuro e transformar São Paulo em uma cidade digital. Projetos do governo federal, como o Computador Para Todos e a isenção de impostos, facilitaram a compra de computadores para as classes C e D. Isso mudou o cenário da exclusão digital em cidades como São Paulo e criou novas demandas. Muitas famílias que já conseguiram adquirir computador ainda enfrentam dificuldades para se conectarem à internet, devido ao alto custo do serviço”, opina Marta.
O projeto da candidata prevê instalar 3 mil pontos de acesso Wi-Fi na cidade, o que consumiria R$ 64,4 milhões. “A idéia é começarmos pelos prédios públicos (escolas, bibliotecas, telecentros etc.), formando ilhas de acesso digital em parceria com a iniciativa privada”, explica ela. As redes Wi-Fi são mais facilmente acessadas de notebooks, que já vêm com a tecnologia sem fio, mas desktops podem ser adaptados para se conectar à internet sem fio.
O projeto recebe críticas de outros candidatos, principalmente com relação à segurança. “É um projeto que precisa ser feito com muito cuidado, seja pelas questões técnicas e de segurança de dados envolvidas, como do ponto de vista de custos”, explica o prefeito e candidato Gilberto Kassab (DEM).
Kassab diz que a Prefeitura já faz testes para conexões sem fio: “Numa cidade como São Paulo esse tipo de projeto é particularmente complicado por uma série de razões, entre elas, os pontos de sombreamento, provocados pelo excessivo número de edifícios, que dificultam a transmissão do sinal. Por isso há que se medir custos e benefícios.”
O prefeito promete, em um segundo mandato, disponibilizar conexão sem fio Wi-Fi em locais administrados pela Prefeitura, como parques e bibliotecas. “Nossa prioridade continua sendo os telecentros, que são um projeto muito mais amplo do que o acesso à rede sem fio”, afirma (veja mais ao lado).
Já o candidato Geraldo Alckmin (PSDB) propõe levar internet sem fio gratuita apenas para áreas carentes da cidade, em áreas de administração da Prefeitura, como parques e telecentros, no entorno das escolas e para projetos de desenvolvimento. No restante da cidade, a proposta é cobrar uma “tarifa social” de entre R$ 12 e R$ 15 mensais para um acesso de 256 kilobits por segundo (Kbps).
“Vamos dotar a cidade de infra-estrutura digital, garantindo o acesso universal à internet em banda larga”, compromete-se Alckmin. A justificativa para não disponibilizar a internet grátis para todos é o custo. “Não faz sentido levar conexão gratuita onde já há infra-estrutura e as pessoas podem pagar. Para essas áreas, já estamos conversando com empresas de banda larga para fazer parcerias e disponibilizar a ‘tarifa social’”, explica um dos coordenadores da campanha, o deputado federal Julio Semeghini (PSDB-SP).
Para aumentar a segurança onde houver rede sem fio, a proposta de Alckmin é que cada cidadão tenha uma senha de acesso.
O candidato Paulo Maluf (PP), coloca o pé no freio. Diz que “é um assunto muito complexo para uma cidade do tamanho de São Paulo. A idéia é disponibilizar a internet sem fio aos poucos, dando prioridade às áreas sem recursos”.
Soninha Francine (PPS) diz que a conexão à internet é “um direito fundamental”, mas é preciso estudar os custos da implementação. Segundo ela, a periferia teria prioridade. “Não preciso garantir Wi-Fi grátis nos Jardins. Mas, em Paraisópolis, Heliópolis e Brasilândia, sim.”
A candidata também tem projetos de instalar conexão sem fio em locais administrados pela Prefeitura, como parques e bibliotecas. “Hoje já é possível comprar um notebook por R$ 999 em 12 vezes. Tem de ter conexão no Centro Cultural São Paulo, na Biblioteca Mário de Andrade, na Centro de Juventude da Cachoeirinha.”
Ivan Valente (PSOL), como Marta Suplicy, também planeja levar internet sem fio gratuita para toda a cidade. “Isso pode causar problemas com o monopólio das empresas de telecomunicações, que podem querer comprar briga. Mas uma Prefeitura com um orçamento anual de R$ 25 bilhões tem poder político para enfrentar o monopólio.”
Telecentros devem continuar
E os telecentros? Como irão ficar agora que os candidatos apostam em conexão para o PC do cidadão? Os seis prometem continuar a investir nesses centros.
Marta Suplicy (PT) planeja ampliar a rede de telecentros para quem ainda não tem PC. Mas esses pontos terão outro perfil, diz. “Devem oferecer mais que uso livre e cursos de informática básica. É preciso ter novas possibilidades de capacitação e expressão cultural.”
O candidato Geraldo Alckmin (PSDB) promete dobrar o número de telecentros – hoje são 283 – e abrir os laboratórios de informática das escolas para a comunidade. “Uma das vantagens dos telecentros é reunir os jovens da comunidade em um mesmo espaço.”
Para o prefeito e candidato Gilberto Kassab (DEM), os telecentros ainda são prioridade. Ele promete ampliar a rede para 600 pontos. “Nos telecentros, a população tem acesso a cursos de informática gratuitos, a oficinas de preparação para o mundo do trabalho e até mesmo ao computador, coisa que a maioria da população ainda não tem.”
Paulo Maluf (PP) promete mais telecentros em toda a cidade. “(Mas) ainda não tenho detalhes.”
Soninha Francine (PPS) planeja abrir pontos 24 horas, mas prevê que o modelo esteja se esgotando. “Há lan houses por R$ 1 em todos os cantos. Talvez daqui a algum tempo não precise mais criar.”
Já Ivan Valente (PSOL) planeja triplicar a rede. “Hoje, são poucos para uma demanda enorme na periferia.”
Saúde e educação devem ser prioridade
O próximo prefeito de São Paulo terá a missão de avançar, e muito, na relação eletrônica entre a Prefeitura e o cidadão. Segundo especialistas ouvidos pelo Link, até agora o município apenas engatinha no sentido de desburocratizar os serviços, resolver questões a distância e dar maior transparência a suas ações. As prioridades, dizem, deveriam ser nas áreas de saúde, educação e empresas.
Uma pesquisa de 2007 da Secretaria Estadual de Gestão apontou a cidade como a mais desenvolvida do Estado em governo eletrônico. Só que, ao mesmo tempo, deu uma nota de 3,58, em uma escala de 0 a 10, aos seus serviços prestados via web. “E não mudou muita coisa. A nota continua valendo”, diz o responsável pelo estudo, o presidente do Instituto de Estudos de Governo Eletrônico, Norberto Torres.
A pesquisa comparou a quantidade e a qualidade dos serviços prestados com o de cidades como Nova York e Seul. “No site da cidade de São Paulo, há mais páginas estáticas, com informações sobre serviços, do que serviços propriamente ditos. É pouca coisa que se consegue realizar online.”
A secretária de Gestão do município, Malde Vilas Bôas, questiona os critérios para a nota. “A pesquisa não levou em conta os processos internos da Prefeitura, só o site”, reclama. “No governo eletrônico, o portal é importante, mas, mais do que isso, é a infra-estrutura tecnológica e a integração de informações que permite disponibilizar esses serviços.”
De acordo com Malde, a gestão atual implementou um padrão de políticas de tecnologia, definindo como os órgãos municipais devem atuar em serviços eletrônicos ao cidadão, e completou a informatização de “100% dos órgãos municipais”, interligando as informações de toda a Prefeitura em um ambiente único. “Organizamos a Prefeitura do lado de dentro para que possa disponibilizar serviços ao público.”
Para Tânia Tonhati, que pesquisou os serviços online da Prefeitura entre 2001 e 2006 e defendeu sua tese de Mestrado na Universidade Federal de São Carlos em 2007, é preciso acelerar a disponibilização de serviços. “São muito poucos hoje. As áreas de educação e saúde deveriam ser as prioridades”, diz. Segundo ela, permitir que se marque consultas médicas e se faça matrícula na rede de ensino pela web, além de diminuir as filas, possibilitaria à cidade um maior controle das vagas na saúde e na educação.
“E não precisa ser só pela internet. Pode ser pelo celular também, que está muito mais presente na vida das pessoas do que o computador”, diz o presidente do Instituto Congresso de Informática Pública (Conip), Vagner Diniz. “O usuário poderia enviar um torpedo SMS solicitando a consulta e receber de volta o horário.”
Na educação, diz a secretária Malde, está quase pronto um sistema para matrículas e acompanhamento do aluno pela internet. Já na saúde, para chegar ao agendamento online, é preciso antes que o sistema informatizado esteja mais maduro. Hoje, os agendamentos são feitos presencialmente, e o usuário não consegue saber na hora quando terá uma vaga. “Quando isso estiver resolvido, aí será possível o agendamento pela web.”
Outra prioridade defendida por especialistas é a simplificação e digitalização do processo de abertura de empresas. “É preciso uma articulação entre os poderes municipal, estadual e federal”, diz Diniz, do Conip (veja ao lado)
. Hoje, já se pode, em alguns bairros da cidade, obter a autorização para funcionamento (alvará) pela internet. Marisa Crovador,de 46 anos, dona de uma escola de inglês na Mooca, esperou dez anos e só conseguiu agora, pela web. “Corria o risco de ser fechada.”
Outro ponto necessário é tornar os serviços mais fáceis de usar, afirma o coordenador do movimento Nossa São Paulo Maurício Bronizi. “É preciso melhorar profundamente o site. Há serviços que demandam o acesso de seis, sete páginas para serem encontrados.”
Disseminar o uso de serviços eletrônicos entre a entre a população ainda é um desafio
Se os serviços eletrônicos da Prefeitura precisam melhorar, seu uso pelos cidadãos, também. “O acesso à internet na cidade não é a questão principal. Se a pessoa está estimulada a usar e não tem em casa, vai a um telecentro ou lan house, que custa de R$ 1 ou R$ 2 por hora”, diz a pesquisadora Tânia Tonhati, que, para a sua tese de mestrado sobre o uso de serviços online na Prefeitura de São Paulo, acompanhou o dia-a-dia de três telecentros.
“As pessoas não sabiam que os serviços existiam. Nos telecentros, havia muitos jovens desempregados. Eles ficavam no MSN e no Orkut e não sabiam que poderiam se informar sobre como tirar uma carteira de trabalho, por exemplo.”
A questão não é só em São Paulo. A pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, Helena Pereira da Silva, fez um projeto semelhante em Salvador. “Muitos não estão acostumados a buscar o governo pela internet. Não sabem, por exemplo, que é possível fazer a declaração de isenção do imposto de renda e vão buscar postos físicos, pegando filas.”
Segundo pesquisa do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Cetic.br), quanto maior a renda mais propenso o cidadão está a acessar serviços de governo. Em todo o Brasil, 81% dos indivíduos da classe A usam. Já na classe D e E, apenas 7%.
No estudo, a justificativa de quem não usa o serviço não é a dificuldade de acesso (13%), mas a preferência pelo contato pessoal (49%). Outros responderam que se preocupam com a proteção de seus dados (15%) e que usar a web para falar com o governo é muito difícil (13%).
Para Tânia, a Prefeitura deveria informar a população. “Os próprios telecentros poderiam ensinar as pessoas a usar os serviços. Nas escolas, os professores poderiam esclarecer os alunos. Depois, eles ensinariam os pais.
O Link foi conferir se a população ainda busca postos físicos para serviços que já estão online. Fomos ao Departamento Fiscal da Secretaria dos Negócios Jurídicos da Prefeitura, no centro, que oferece atendimento para IPTU, um dos serviços mais abundantes no site da Prefeitura.
Não havia filas. O taxista Roberto Max, de 48 anos, por exemplo, estava lá para parcelar o IPTU. Se ele gostaria do serviço via web? “Não tenho familiaridade com a rede. Se fosse tudo online, teria dificuldades. Prefiro vir aqui.”
O contador Raimundo Alves, de 38 anos, também estava lá para parcelar o IPTU. “As pessoas me pagam para fugir da burocracia. Venho aqui pelo menos três vezes por semana. Não confio muito nos serviços da internet.”
Já a advogada Tatiane Regina de Moraes, de 26 anos, consultou o site da Prefeitura, mas descobriu que a emissão de sua certidão negativa não poderia ser feita online. “Seria maravilhoso se desse para fazer tudo pela internet.”
É possível instalar internet sem fio grátis em toda SP?Será que acessar a internet a partir de qualquer ponto de São Paulo, sem fio e gratuitamente, é mais uma daquelas propostas de campanha impossíveis de realizar? Segundo a maioria dos especialistas ouvidos pelo Link, a resposta é não. Tecnicamente, dá para ser feito.
O projeto ganhou os holofotes nesta campanha por conta da promessa da candidata Marta Suplicy (PT) de instalar 3 mil pontos de Wi-Fi ao custo de R$ 64,4 milhões. Os outros principais candidatos também fazem promessas similares.
A idéia não parece absurda para quem já executou empreitadas similares em cidades do interior do Brasil, como Piraí, no Rio de Janeiro. “É possível”, garante Franklin Dias Coelho, pesquisador da Universidade Federal Fluminense e responsável pelo projeto Piraí Digital.
Apesar da população de 23 mil habitantes ser centenas de vezes inferior à de São Paulo, e da paisagem do pequeno município não contar com amontoados de edifícios, Piraí pode servir como medida de comparação, segundo o pesquisador. “Em São Paulo é necessário uma rede mais complexa, mas é possível aproveitar a estrutura dos prédios para instalar os pontos de Wi-Fi”, diz Coelho.
Segundo Franklin, o sistema de transmissão de internet é comparável ao de distribuição de água. “Construímos um grande duto de conectividade que passa pelo meio da cidade. A partir dele, espalhamos pequenos veios que alimentam os bairros.” Em Piraí, o custo foi de R$ 900 mil.
Leonardo Mendes, pesquisador da Unicamp e responsável pelo projeto de cidade digital do município de Pedreira (interior de São Paulo), concorda que a proposta é viável, mas afirma que, com o orçamento de R$ 64,4 milhões sugerido por Marta, seria possível cobrir cerca de 50% da capital, segundo dados utilizados em Pedreira.
“No modelo que utilizamos, o valor por habitante fica entre R$ 12 e R$ 16. Mas vale lembrar que São Paulo possui características diferentes. Só um estudo aprofundado daria números exatos”, explica Mendes.
No Brasil, já há um exemplo de grande cidade que está construindo sua “bolha de conexão”.
Belo Horizonte (MG), com 2,5 milhões de habitantes, deve inaugurar no fim de outubro uma rede sem fio que cobrirá toda a cidade. Só que a rede não estará aberta aos internautas em todos os lugares para “não competir com as concessionárias de banda larga”.
A tecnologia usada será WiMAX, que permite enviar o sinal por quilômetros, mas que não pode ser captada pela maioria dos desktops e notebooks da atual geração. Em 300 órgãos municipais, oito praças e uma favela, o sinal será convertido para WiMesh (tecnologia semelhante ao Wi-Fi). Daí sim será possível captar o sinal. “O projeto custará R$ 5 milhões”, explica Pedro Ernesto, presidente da Prodabel, órgão municipal de tecnologia que implementa o projeto.
A conexão já está aberta experimentalmente, embora haja apenas cerca de 800 usuários até agora. Maysa de Castro, de 30 anos, que mantém um blog sobre tecnologia (www.maysadecastro.com.br), é uma delas. “A velocidade da conexão é bem satisfatória”, garante.
Segundo Diniz, a experiência de Belo Horizonte poderia ser replicada em São Paulo. “Mesmo em áreas com prédios, a antena de WiMAX irradia o sinal por 8 quilômetros. Já o WiMesh, em áreas abertas como periferias, alcança até 200 metros. Em regiões mais densas, com prédios e árvores, há mais interferência.”
A Prefeitura de São Paulo afirma que faz testes há um ano com a tecnologia WiMAX. “Ainda não chegamos a conclusões com relação à transmissão, segurança da conexão e qual público irá atender”, explica João Octaviano Machado Neto, presidente da Prodam, órgão municipal de tecnologia.
Ele diz que, “pelas normas internacionais”, seria necessário instalar 30 mil antenas Wi-Fi para levar à população esse sinal transmitido via WiMAX. Em teste, estão previstas conexões no parque do Ibirapuera e no Centro Cultural São Paulo.
WiMAX é alternativa ao Wi-Fi
O Wi-Fi não é a única resposta para a internet gratuita em São Paulo. Apesar de ser a tecnologia de acesso sem fio mais disseminada, há opções para um sistema público de grandes proporções.“A proximidade dos prédios torna mais fácil o uso de um modelo baseado em cabeamento, por exemplo. Mas, por outro lado, ela dificulta a propagação de sinais transmitidos via rádio”, diz Leonardo Mendes, pesquisador da Unicamp.
Além da questão geográfica, o Wi-Fi esbarra em outros problemas. Um sistema aberto, sem codificação, permite que invasores tenham fácil acesso aos dados transmitidos. Consultar contas bancárias ou trocar informações sigilosas em redes desse tipo é uma prática bastante arriscada.
Por esse motivo, outros serviços de internet paga dificilmente perderiam seu espaço. Quem precisa de uma conexão robusta, segura e muito veloz, não poderia depender do sistema público.
Questionada se a implementação de uma rede gratuita afetaria a estratégia de vendas de seus pacotes 3G, a assessoria da operadora Vivo disse que “a empresa acredita que qualquer meio de popularizar o acesso à internet é benéfico e não altera as estratégias de venda”.
O uso do WiMAX – uma variação de internet sem fio de maior alcance e velocidade – é outra alternativa aos problemas do Wi-Fi. Apesar dos computadores de hoje ainda não estarem adaptados à tecnologia, o pesquisador Franklin Coelho, do projeto Piraí Digital, apresenta uma solução possível.
“Dá para utilizar o WiMAX para fornecer o veio principal de conexão. Os custos seriam menores, já que seu sinal possui maior alcance. A partir dele, seria possível puxar ramificações com tecnologia Wi-Fi, já que a maioria dos computadores (principalmente notebooks) já vêm adaptados a ela.”
Petrópolis, a ‘mais conectada’, tem quiosques com web na rua
Petrópolis é uma “cidade média”, como a definem seus moradores. Com 330 mil habitantes, o município serrano do Rio de Janeiro fundado por D. Pedro II descobriu nos serviços virtuais ao cidadão uma forma de desburocratizar, acabar com filas e facilitar a entrada dos cidadãos no mercado de trabalho. Segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), a prefeitura local é a que possui o governo eletrônico mais desenvolvido do País.
Quem chega à cidade e pára no centro, logo já percebe que há alguma coisa diferente. Na Praça D. Pedro, a mais conhecida, um quiosque – muito parecido com uma guarita de segurança – guarda um terminal de internet conectado a uma impressora.
Iguais a ele, existem outros 14, onde a população pode interagir de graça com prefeitura pela web.
Desde 2001, quando recebeu um financiamento do BNDES de 3,5 milhões, a prefeitura da cidade busca levar seus serviços para a internet. “As coisas foram acontecendo. Quando assumi a prefeitura, a tecnologia estava desatualizada. E aí começamos a investir e a ter ter mais controle sobre os gastos, entramos na internet...”, diz o prefeito, Rubens Bontempo (PSB-RJ).
O primeiro serviço online foi em 2002. Ele permitia a empresários fazer, pela internet, a consulta prévia, necessária para saber se uma empresa pode ser instalada em determinado endereço. Hoje, ao contrário da maioria das cidades – onde pode levar meses –, é possível conseguir o alvará de funcionamento em 24 horas para atividades sem risco. O pedido é feito pela internet.
“Essa rapidez ajuda, fica mais fácil de trabalhar. Você não precisa cancelar seus planos de investimento pela falta de um documento”, afirma o proprietário da rede de supermercados local Celma, Gustavo Rodrigues, de 32 anos. Ele também utiliza outro serviço da prefeitura pela internet, o balcão de emprego municipal. “Cerca de 80% dos meus funcionários são do balcão.”
O repositor Diego de Souza Ribeiro, de 25 anos, foi um dos contratados. Ele nem sabia que seu currículo iria cair na internet. “Entreguei o currículo na secretaria de trabalho (a responsável pelo serviço também aceita currículos em papel) e eles me cadastraram. O serviço é bom, tem várias oportunidades.”
Para o balcão virtual ter oportunidades, foi feito um acordo com as empresas locais que ganham incentivos fiscais. “Essas empresas, em contrapartida, precisam contratar um número determinado de funcionários na cidade. E eles saem do balcão”, explica a secretária de Planejamento, Maria Cristina Franca Melo.
Além de empresários e cidadãos que estão à procura de emprego, pais de alunos que querem matricular seus filhos na rede municipal de ensino vão ao site da prefeitura para dar entrada no processo (a pré-matrícula). Depois, o resultado com o nome da escola na qual a criança irá estudar é divulgada na internet e, só aí, os pais tem de ir pessoalmente à escola para levar a documentação de matrícula.
Segundo a secretária de educação Samara Brito, além de evitar filas, o processo informatizado permite à prefeitura conhecer melhor a demanda para ajudar na distribuição das vagas. “Também temos um serviço de pré-matrícula pelo telefone. Mas a internet é mais usada.”
‘Governos devem ouvir cidadão antes’
É preciso ensinar as pessoas, conectá-las e ouvir o que elas querem. Responsável pela divisão de Desenvolvimento em Administração Pública da Organização das Nações Unidas (ONU), Haiyan Qian, articula e cobra políticas de governo eletrônico de países do mundo todo. Em entrevista ao
Link, ela diz que o Brasil precisa melhorar a inclusão digital e ensinar as pessoas a usarem os serviços públicos na web.
No início do ano, o novo ranking da ONU de governo eletrônico colocou o Brasil em 45º, 12 posições abaixo do anterior, de 2005. Por quê?É importante salientar que a nosso estudo é com relação aos serviços prestados ao cidadão pela internet e só analisamos os sites dos governos federais. O Brasil é um dos principais na área.
Mas, além do site em si, levamos também em conta a infra-estrutura de acesso e a inclusão digital. Há duas razões para o País ter caído: primeiro, vocês se desenvolveram, mas os outros países foram mais rápidos; segundo, o problema do Brasil é a infra-estrutura e a inclusão digital.
A falta de acesso é o maior desafio do Brasil em governo eletrônico?Sim. É preciso acabar com a divisão digital. Fazer com que toda a população, mesmo em lugares remotos, tenha celular. O governo eletrônico pode ser pelo telefone. Hoje, os serviços são muito para a internet. Se não tiver, não acessa. Pelo celular, resolveríamos a questão das áreas muito remotas ou pobres.
A internet pelo celular, porém, é cara no Brasil.Sempre pedimos aos governos para reduzir o preço da conexão. Notamos que, quanto menos desenvolvido é o país, mais caro o acesso é. Quanto mais avançado, mais barato. Não é certo nem justo.
Por que o governo eletrônico é importante?Há muitas razões: uma delas é aumentar a eficiência. Quando você tem um serviço online, economiza muito tempo. Depois, ganha em transparência, pois muitas coisas ficam claras para o cidadão. Se as pessoas tiverem acesso à rede e usarem os serviços, o “e-gov” aumenta a transparência.
Sabemos que licitações são coisas que podem trazer corrupção. Mas quando você coloca isso online, mostra quem ganhou, como foi, quem avaliou e por que determinada empresa foi escolhida, todo esse processo pode ser monitorado pelos cidadãos. Isso acarreta uma mudança de atitude por parte do governo e a forma como ele faz negócios com recursos públicos. O governo eletrônico ajuda tanto a melhorar o governo quanto a confiança entre o governo e os cidadãos.
Aqui no Brasil, as grandes cidades têm centros públicos de acesso gratuitos e lan houses que custam entre R$ 1 e R$ 2 a hora. Por mais que tenham acesso à internet, muitas pessoas não utilizam e não sabem o que é governo eletrônico. Como resolver esse problema?
Discutimos isso na ONU. Você não pode só lançar um site. Mais do que isso, precisa ensinar os cidadãos.
Primeiro você tem de apresentar o serviço à população, depois ensiná-la a usá-lo e, por fim, perguntar o que estão achando dele. Mais importante ainda é que, antes ainda de colocar esse serviço no ar, os cidadãos sejam devidamente consultados: o que vocês querem?
Devem estar disponíveis todos os serviços que os cidadãos precisarem. Muitos países não perguntam antes. Por causa disso, o uso de governo eletrônico hoje é muito baixo e vemos cerca de 50% dos projetos falharem.
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